sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Em busca do Jesus Histórico

Todo final de ano, época de natal, é a mesma coisa: são exibidos na TV paga várias séries e documentários especulando sobre o "verdadeiro Jesus", ou o Jesus histórico. Confrontam informações da bíblia com as de historiadores antigos e da arqueologia, são em geral interessantes mas pecam pelo excesso de imaginação, deixando mais perguntas que respostas. Não sou nenhum especialista em teologia, mas tenho algumas opiniões a respeito.

O primeiro ponto que me chama a atenção é: como personagem de tal importância não foi citado por nenhum cronista contemporâneo? Josephus citou Herodes, Pilatus e João Batista, mas não disse uma palavra sobre Jesus, que só começa a aparecer em textos escritos mais de cem anos depois. A explicação que encontro é que Jesus era analfabeto, pois não existe amostra de sua escrita. Essa premissa é compatível com a origem humilde do messias. Por este motivo, suas ideias se propagaram inicialmente apenas por via oral, com lentidão. Seus ensinamentos não foram escritos pelo próprio, mas por discípulos conhecidos como evangelistas, sendo de todo justo que se levantem dúvidas quanto a sua autenticidade; de fato, há várias versões dos ditos evangelhos, algumas bem divergentes, mas a Igreja adotou como autênticos quatro textos que correspondem mais ou menos um ao outro. Os demais são considerados apócrifos. Alguns têm todo jeito de narrativa folclórica, como aquelas passagens da infância de Jesus fazendo mágicas para os amigos e atazanando seus pais, mas outros são bem instigantes. A discussão é longa e vou parar por aqui.

Outro ponto que me chama a atenção é a diferença da pregação de Jesus comparada com a dos demais profetas do Antigo Testamento. Todos aqueles tinham o foco no coletivo, dirigiam-se ao povo, censuravam os costumes do povo e anunciavam castigos para o povo inteiro. Jesus falava ao público, mas sua mensagem se dirigia ao indivíduo. Diversas passagens dos evangelhos mostram colóquios individuais entre Jesus e um interlocutor, geralmente uma mulher. Aparentemente, Jesus não foi influenciado por aqueles profetas antigos, então de que fonte bebeu? Houve época que estava na moda apontar Jesus como um membro dos essênios, a seita mais exotérica do judaísmo; há de fato pontos em comum, mas um estudo mais detalhado da doutrina dos essênios desmente essa assertiva. Outros comentaristas vão além e fazem um paralelo com o budismo. Faz algum sentido: de fato, o desapego aos bens materiais não era ideia muito em voga no Oriente Médio até então, mas é preciso muito esforço para imaginar Jesus viajando à Índia e à China para adquirir seus conhecimentos. Teria Jesus desenvolvido sua doutrina inteiramente sozinho? Alguns afirmam que ele foi discípulo de João Batista, mas nada se pode provar.

Mas inevitável mesmo, e recorrentes, são as especulações em torno de um Jesus "libertador", ou seja, revolucionário. Jesus censurava os ricos e exaltava os pobres. Um socialista? Jesus afirmou que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus. Disse, aquele que tem duas capas, dê uma aos pobres. Quanto a mim, não tenho dúvida nenhuma: se Jesus fosse mesmo um socialista, teria aceito a sugestão de satanás no deserto, de transformar pedras em pães (para distribuir aos pobres, é claro, mas também pegar para si, que ninguém é de ferro, né?) bem como a sugestão de adorar satanás prostrado para em troca ter o poder sobre todos os reinos da terra (para governar em favor dos pobres, é claro). Havia um discípulo em particular que pensava dessa maneira. Uma ocasião em que uma pecadora arrependida banhou os pés de Jesus com um perfume caríssimo, ele se indignou e declarou que melhor seria vender aquele perfume e distribuir o dinheiro aos pobres. Resposta de Jesus? Pobres, sempre os tereis convosco. O nome do discípulo? Judas Iscariotis. Que bem pode ser considerado o patrono da Teologia da Libertação, bem como da mais atual Teologia da Prosperidade...

A concepção de um Jesus "socialista" revela uma compreensão incompleta de sua doutrina. Jesus pregava o desapego aos bens materiais como premissa necessária para se obter a elevação espiritual. Portanto, o conselho de vender os bens e distribuir aos pobres tinha o propósito de beneficiar o doador dos bens, e não o receptor, pois de resto Jesus sempre esteve ciente de que mesmo se todos distribuíssem seus bens aos pobres, não bastaria para erradicar a pobreza do mundo - pobres, sempre os tereis convosco. Que Jesus não era um revolucionário, disso também estava ciente Pilatus, que hoje se sabe, era adepto da repressão violenta aos oponentes do domínio romano, e dispunha de um ótimo serviço de informações. Por isso sabia que Jesus não se opunha a Roma, e até declarava ser válido pagar impostos a César; era anátema para a elite farisaica, não para os romanos. No máximo, um desordeiro, caso para umas chicotadas, que Pilatus prontamente mandou aplicar, mas um governante romano deve preservar a Paz Romana, e por este motivo Pilatus cedeu aos sacerdotes e mandou crucificar Jesus.

Tenha sido quem foi o Jesus histórico, é fato que o cristianismo, religião surgida no oriente, foi indispensável para o estabelecimento da civilização ocidental como a conhecemos.

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