domingo, 19 de novembro de 2017

Multiculturalismo: o Brasil e a Catalunha

Causou curiosidade e certa perplexidade por aqui a notícia da declaração da independência da Catalunha. Não que tenhamos, é óbvio, alguma coisa a ver com o ocorrido, que de resto não teve efeitos práticos, mas foi muito significativo no contexto presente de rejeição ao globalismo, sendo eventos recentes o Brexit e a eleição de Trump. Faz pensar. No senso comum sul-americano, a Europa é um continente de estados-nação estabelecidos e estáveis, onde termos como Catalunha, Galícia, Beira, Gales, Silésia, Tirol, Valônia possuem apenas um significado geográfico e histórico, e causa surpresa saber que algumas dessas regiões se veem como países independentes. Isso parece contraditório: movimentos separatistas seriam mais plausíveis em países como o nosso, muito mais recentes e instáveis, com muito maior diversidade regional, e menos densidade populacional com regiões isoladas. Por que não é assim?

É uma oportunidade de rever a História. Globalismo e multiculturalismo são daqueles conceitos que de tão usados na época atual, acabaram banalizados: todos os repetem, mas poucos sabem defini-los. Diz-se que o Brasil é um país multicultural, e fundamenta-se essa assertiva em nossa diversidade étnica e cultural. Mas é preciso discernir até onde vai de fato essa nossa suposta diversidade.

A primeira coisa que precisa ser dita é que a nossa diversidade étnica é, no atacado, uma diversidade racial. Não é a mesma coisa. Uma etnia significa um povo que tem identidade própria, língua e história próprias. Computam-se no Brasil cerca de 400 línguas diferentes faladas por grupos nativos isolados, mas o número total de nativos brasileiros não chega a 1% da população total do país. O restante exibe apenas a nossa conhecida diversidade racial, com pouca diferença cultural, exceto algumas idiossincrasias de região para região. É significativo que apesar de todo o isolamento regional e do analfabetismo que cem anos atrás chegava a 80% da população, o português brasileiro não se fracionou em dialetos mutuamente ininteligíveis.

Bem diferente é o quadro na Europa, onde regiões relativamente pequenas e com alta densidade populacional exibem conjuntos de grupos étnicos antigos, que preservam sua língua ancestral, embora todos falem a língua oficial do país, e são muito ciosos de sua identidade. Isso acontece porque esses povos, séculos atrás, eram de fato independentes. Diferente da evolução histórica do Brasil, onde nossa diversidade étnica foi lançada em um caldeirão de mistura, que sempre girando não permitiu  a fixação de grupos muito distintos. Para começar, os povoadores aqui estabelecidos raramente dispuseram de alguma autonomia política que os permitisse preservar língua e práticas ancestrais, e em muitas ocasiões, foram abertamente proibidos de fazê-lo. Nosso multiculturalismo é basicamente uma mistura muito indistinta, onde se percebe aqui e ali vestígios do passado.

O que não impede que muitos usem a retórica para amplificar nossa diversidade, muitas vezes com propósitos inconfessáveis ligados ao globalismo. O exemplo mais marcante é a exigência de que os brasileiros de pele escura se identifiquem como "afro-brasileiros", como se tivessem alguma ligação menos que remota com a África de origem. Mas há exemplos mais maliciosos, como a construção ideológica de "nações indígenas" que supostamente deveriam ter autonomia, tal como tem a Catalunha e o País Basco na Espanha. Já foi amplamente denunciado que essas nações são, na verdade, constituídas de reminiscências de várias tribos sem relação entre si, e obviamente incapazes de autogoverno, ficariam sob a tutela internacional, como querem os globalistas. Há também exemplos mais caseiros, como os que veem as favelas das grandes cidades como enclaves étnicos tal como existem na Europa, e clamam que as comunidades ali residentes teriam uma cultura própria que deveria ser respeitada. É nesse contexto que o baile funk é considerado "resistência cultural" do povo da periferia, esquecido de que se trata de uma importação dos guetos norte-americanos, sem raízes em nossa cultura popular.

A separação da Catalunha (ou da Escócia, da Valônia ou do que seja) é fenômeno restrito à Europa. Por aqui, movimentos separatistas, como os que querem um sul independente ou uma amazônia pertencente aos povos indígenas têm um aspecto caricato. Felizmente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário