sábado, 11 de fevereiro de 2017

A História volta atrás?

De tanto em tanto bater boca em forum´s da internet, às vezes surge uma questão instigante que nem tem nada a ver com a matéria que estava sendo comentada. Foi o que aconteceu nessa postagem do fórum do Jornal GGN, o meu preferido. André Araújo estava comentando sobre Donald Trump, e eu puxei o assunto para a globalização, que já tinha sido objeto de uma postagem minha aqui. Contestei a visão catastrofista de que a globalização estaria destruindo a economia norte-americana, ao exportar os empregos industriais para os países periféricos. Lembrei que a ascensão da Califórnia e seu Vale do Silício é tão palpável quanto o declínio do meio-oeste e da indústria automobilística de Detroit. Quis afirmar que a globalização é fenômeno inexorável, posto que não tem um pequeno conjunto de protagonistas, mas milhões espalhados pelo mundo. André Araújo contestou:

Os processos históricos, políticos ou econômicos, não são lineares, não caminham em linha reta. 
Com a Revolução Francesa de 1789 imaginava-se que  as monarquias europeias cairiam como um dominó. Não aconteceu.. 
Nos anos 30 o fascismo e o nazismo era considerados o FUTURO, as democracias parlamentares eram a decadência (...) Essa novidade dos anos 20 e 30 acabou em ruinas e a decadente democracia voltou ao seu apogeu na Europa Ocidental e nas Americas.
A URSS tambem era o "mundo novo" que apontava para o futuro, depois o "caminho do futuro" acabou. 
Meu caro, a Historia dá voltas e como dá
Será certo isso? A História pode voltar atrás?

Para aqueles pensadores que julgam haver encontrado a fórmula que explica a História, não há dúvida: a História só anda para a frente, e na direção que eles previram. As pessoas comuns variam do saudosismo de um tempo que foi bom e não volta mais, ao alívio por haver passado um tempo que foi mau. Aos otimistas, é agradável imaginar um mundo em constante evolução, ainda que com percalços. No primeiro grupo cita-se o caso de Karl Marx, que modelou toda a História humana conforme os paradigmas da luta de classes e previu que a etapa atual - o capitalismo - seria sucedida pelo comunismo. Como se sabe, a predição não se cumpriu. Mas tampouco o mundo voltou atrás. Quanto ao segundo grupo, a psicologia em grande parte explica: a memória humana é seletiva, e filtra os fatos maus do passado, deixando apenas os bons. A psicologia também explica em grande parte o sentimento daqueles do terceiro grupo: se o passado fosse bom, seria presente, diz o ditado popular. Estes podem curtir o alívio, mas para sempre conviverão com a dúvida: os maus tempos podem retornar?

O senso comum diz que não. O que passou, passou. Mas os argumentos citados pelo André Araújo são bastante consistentes: por muita décadas o nazi-fascismo e o comunismo foram, efetivamente, considerados os regimes do futuro que vinham substituir a ineficaz e plutocrática democracia parlamentar. No Brasil tivemos o getulismo, na Argentina o peronismo, ambos calcados no modelo fascista italiano e considerados alentos modernizadores que vinha tirar seus países do atraso. Depois tudo acabou, e quem incensava esses regimes teve que admitir que a velha democracia "burguesa" era mesmo o único sistema político aceitável. A História voltou atrás, então.

Entretanto, cabe notar que essas propostas brotaram em países onde a democracia parlamentar estilo ocidental não havia ainda frutificado. Nos países centrais do ocidente, como a Inglaterra, a França e os EUA, verificaram-se movimentos e tendências para um lado e para o outro, mas o regime político e o sistema econômico prosseguiram inabalados. Não houve uma cronologia Antes X Depois entre a democracia parlamentar e as inovações totalitárias do século 20,  mas uma coincidência de tempo histórico, bem como de local (tanto um quanto o outro emergiram no ocidente antes de se propagarem para as periferias) levando a um inevitável enfrentamento: tais soluções inovadoras foram um contraponto, ou uma antítese ao capitalismo e à democracia parlamentar que evoluíam desde a Revolução Gloriosa inglesa. Convém lembrar que tampouco existiu uma cronologia Antes X Depois entre o fascismo e o comunismo: ambos surgiram no mesmo tempo histórico, produtos da mesma sequência de eventos que vinha desde a Revolução Industrial: a  multiplicação do proletariado e suas reivindicações, o imperialismo das grandes potências e as disputas daí resultantes, o nacionalismo dos países e o internacionalismo dos operários. O fascismo não antecedeu nem sucedeu ao comunismo, mas foi, de fato, um contraponto a este, apresentando uma solução alternativa para o mesmo problema (as reivindicações do proletariado) e substituindo o internacionalismo pelo nacionalismo. Como se sabe, no Brasil dos anos trinta, comunistas e integralistas disputavam o mesmo público e toda a nossa Consolidação das Leis do Trabalho foi inspirada pela Carta Del Lavoro de Mussolini.

Não se pode, portanto, afirmar que no mundo todo, a democracia parlamentar cedeu lugar ao nazi-fascismo, que depois retrocedeu de volta à democracia parlamentar, provando que a História volta atrás. A História estava acontecendo, não tinha acontecido.

Penso, então, que na realidade a História não volta atrás. Dá voltas e faz zigue-zague, mas não retrocede. O que, aliás, fica claro na conhecida citação de Marx: a História acontece pela primeira vez como tragédia, e pela segunda vez como farsa. Melhor assim.

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