sexta-feira, 2 de setembro de 2016

O Brasil já tem patrimônio histórico?

Por patrimônio histórico refiro-me àquele conjunto de fatos que, embora localizados no passado, conferiram aos eventos futuros um direcionamento que permanece até o tempo presente, e até onde se pode julgar, são perenes e irreversíveis. Quem estuda História acostuma-se a atribuir um patrimônio histórico somente às nações ditas desenvolvidas, aquelas que, para um brasileiro, despertam um misto de inveja e admiração, cuja estabilidade no presente deve-se a um passivo de revoluções gloriosas e consistentes mudanças sociais conduzidas por grandes heróis ou por multidões anônimas. Já por aqui, o máximo que um historiador consegue detectar é uma sucessão de ciclos ou etapas distintas, sem nunca saber qual será a próxima etapa e sem nunca desconsiderar a possibilidade de um retrocesso e de um retorno a etapas que acreditávamos superadas. Pobre de nós, não temos patrimônio histórico!

Mas os acontecimentos do presente permitem uma reflexão. Refiro-me ao impeachment da presidente Dilma Rousseff. Já me referi em outros artigos ao fenômeno dos corpos estranhos que surgem periodicamente em nossa História, e são sempre expelidos de alguma forma mais ou menos inócua pelo organismo político; sob este aspecto não há novidade, Dilma apenas vai juntar-se a Collor, Maluf e Jânio Quadros. Tal como nas outras ocasiões, o futuro é incerto e não se descarta uma volta ao passado.

Fim do ciclo populista? Pode ser. Mas eu noto que desta vez, entre uma etapa e outra, alguma coisa ficou. Refiro-me ao Plano Real, lançado 22 anos atrás e anunciado com alarde como uma nova e definitiva matriz econômica para a nação. Conhecendo o destino dos planos anteriores, há amplos motivos para se duvidar dessa assertiva. Mas 22 anos já permitem alguma observação: o Plano Real foi fustigado, mas sobreviveu. Bem ou mal, é graças a ele que a recessão atual, embora seja a pior que o país já teve, não repete as cenas anteriores de ruas lotadas de camelôs e filas de emigrantes nos aeroportos, tão comuns nos anos 80. Os salários e os benefícios ainda conseguem manter seu valor, e não foram destruídos para financiar as aventuras tão a gosto dos economistas desenvolvimentistas, tal como acontecia no passado, quando a inflação era um recurso a que os governos lançavam mão sem pudor algum para cobrir seus rombos e jogar a fatura para a massa dos usuários do papel-moeda, sempre com a desculpa de que assim se impulsionava o desenvolvimento e criava-se empregos.

Não interpreto a atual queda do governo como o resultado de um embate entre PMDB e PT, PSDB e PT, Eduardo Cunha e Dilma, direita e esquerda, mas um embate entre o nacional-estatismo e o Plano Real, com a vitória deste último. De fato, desde o anúncio da Nova Matriz Econômica ao final do segundo mandato de Lula, o núcleo nacional-estatista do PT, oriundo do varguismo e patrocinado por Dilma Rousseff, tem se empenhado em um combate sem tréguas contra o Plano Real, que apesar de tudo, permaneceu. O país não enveredou pelos caminhos da Venezuela ou da Argentina.

Pertencerá o Plano Real ao nosso recém-nascido patrimônio histórico?

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