terça-feira, 5 de julho de 2016

Guia Politicamente Incorreto dos Presidentes - II

Prosseguindo a leitura do Guia Politicamente Incorreto dos Presidentes, de Paulo Schmidt, o autor classifica Rodrigues Alves entre os raros bons presidentes do país. Parece-me correto. Rodrigues Alves se encaixa naquela categoria dos que foram muito combatidos em sua época, mas a quem a posteridade fez justiça. Tomou enérgicas providências para sanear e dotar de infraestrutura urbana a capital, e teve que enfrentar a triste Revolta da Vacina, gesto de desespero de um povo ignorante habilmente manipulado por líderes ambiciosos que nada tinham de ignorante - foi o último suspiro do nefasto positivismo que assolou o governo Floriano. Por pouco os professores de História livraram-se do vexame de ter que ensinar a seus alunos que um presidente foi deposto por haver querido livrar seu povo das doenças. Vendo-se hoje os resultados das obras de Rodrigues Alves, nota-se que os sacrifícios que impôs à população foram amplamente compensatórios. E ele conta ainda com o mérito de haver-se oposto ao Convênio de Taubaté, vergonhoso arranjo que transformou o contribuinte brasileiro em avalista dos cafeicultores.

Seu sucessor , o mineiro Afonso Pena, foi uma figura ambígua. Procurou separar política e administração, dando preferência a essa última, mas deixou-se enredar por Pinheiro Machado, sob cujos auspícios foi eleito, mas que ao final de seu governo já tinha tomado as rédeas da sucessão, deixando o presidente isolado. Afonso Pena provavelmente julgou que se fizesse as concessões que seus aliados queriam, eles o deixariam livre para tocar a administração do jeito que ele desejava. Mas a História ensina que sempre que administração e política entram em conflito, prevalece esta última. Outro erro foi ter ratificado o Convênio de Taubaté, o que deixou a economia condenada a longo prazo.

Seu sucessor, Nilo Peçanha, é outro que pertence à categoria dos injustiçados. De origem modesta, procurou fazer um bom governo, mas tal como Afonso Pena, caiu no erro de julgar que podia enredar Pinheiro Machado. Merecia da História um tratamento mais benigno.

A figura mais poderosa da época, entretanto, não foi um presidente, mas o senador Pinheiro Machado, que soube habilmente juntar em suas mãos as cartas marcadas do jogo político da República Velha. Seu propósito era derrubar o esquema do café-com-leite, apelido dado à hegemonia dos estados de São Paulo e Minas Gerais, e substituí-lo pela hegemonia de um partido nacional totalmente controlado por ele próprio. Para esse fim, fez presidente o marechal Hermes da Fonseca, astro sem luz própria que prestava-se bem como joguete. Hermes reintroduziu as ações armadas na política, sob o nome de Política das Salvações, depondo pela força numerosos governadores que não haviam entrado para o partido fundado por Pinheiro Machado. Mas quando quis estender as "salvações" ao estado do Ceará, governado por um aliado de Pinheiro Machado, não tardou a ver quem mandava ali. Derrotado e desmoralizado, saiu do governo como figura caricata. Só teve uma coisa boa: sua derrocada foi de tal modo fragorosa, que acabou arrastando junto seu patrono, o senador Pinheiro Machado.

Wenceslau Braz chegou ao governo para restabelecer o café-com-leite, pondo fim ao pinheirismo. Correspondendo bem ao estereótipo do político mineiro, foi discreto, mas fez coisas importantes. Politicamente conservador, mas moderado, adepto dos acordos em lugar das intervenções nos estados tão a gosto de seu antecessor. Mostrou-se eficiente em gestão de crises, e não teve refresco: seu governo foi conhecido como o governo dos três G´s: Guerra, Gripe e Greve. Em razão de sua habilidade como negociador, deixou a seu sucessor um país com um grau maior de paz política, que no entanto não duraria muito tempo. Penso que seu maior mérito foi não ter querido ser mais do que era.

Delfim Moreira foi o único louco diagnosticado a governar o país. Penso que tivemos outros presidentes loucos, mas não diagnosticados.

Epitácio Pessoa foi o típico político medíocre. Chegou ao poder somente porque  paulistas e mineiros não chegaram a um acordo quando ao candidato. Colecionador de mordomias e aposentadorias, autoritário, marcou o início do declínio da República Velha. Nas palavras de Paulo Schmidt, substituiu a política dos governadores pela política dos presidentes, dando início ao ciclo de presidentes autoritários que elevariam a temperatura política até a incineração final do regime.

Artur Bernardes foi uma figura sombria, o que se deixa perceber até em sua fisionomia, com aquele olhar duro e os lábios tão inexpressivos que parecem desenhados a lápis. Violento e mesmo cruel, governou quase o mandato inteiro sob estado de sítio, e mandava seus prisioneiros para um campo de concentração próximo à fronteira com a Guiana Francesa, não distante da Ilha do Diabo, aquela mesma do Papillon. Em sua defesa, pode ser dito que teve que enfrentar inimigos bem sujos. Antes mesmo de ser eleito, conspiradores divulgaram cartas falsas procurando indispô-lo com os militares. Não deu certo, e pela segunda vez (a primeira foi na revolta da vacina) nossos professores de História escaparam de um vexame, este de ter que ensinar que no Brasil basta um falsário para derrubar um presidente. Em seu governo eclodiu também o movimento tenentista, visto na época como idealista e regenerador. Mas os antigos tenentes viriam e embicar por utopias totalitárias, entre o fascismo e o comunismo, e já convertidos em coronéis e generais despidos do idealismo da juventude, atravessariam o século 20 conspirando contra diversos governos, e terminando por impor uma ditadura em 1964. Por aí vê-se que Artur Bernardes não deixou de ter motivos para bater neles com tanta força.

Washington Luiz foi uma figura algo melancólica, própria para assinalar o fim de uma dinastia. Credenciado por um bom governo em São Paulo, assumiu sob um clima de otimismo, embora possa ser dito que depois de Artur Bernardes, qualquer presidente seria bem vindo. Mas procurou fazer um governo de pacificação e realizações. Atingido em cheio pela crise de 1929, mudou o rumo em direção ao endurecimento, e pau que não verga, quebra.

Depois falarei da Era Vargas.

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