domingo, 6 de dezembro de 2015

Vendo a História passar

Outro dia por acaso topei com o link para a edição digital de um livrinho bem interessante, Capitalismo para Principiantes, de Carlos Eduardo Novaes, com ilustrações de Vilmar Rodrigues. O livro parece ter sido escrito lá pelo início dos anos 80, mas ainda é bem atual, mesmo porque a crise presente mostra que ainda estamos discutindo princípios básicos do capitalismo, como principiantes que somos. E o interessante da leitura vem justamente disto: trata-se de um retrato, o instantâneo de uma paisagem tirado em determinado momento do tempo histórico, que confrontado com o retrato da mesma paisagem tirado hoje, permite distinguir a passagem do tempo em seus mínimos detalhes.

Não estou me referindo, obviamente, a uma paisagem física, mas a uma paisagem de ideias. Como víamos e entendíamos o mundo na época, e ao comparar com o que temos hoje, podemos marcar onde erramos e onde acertamos, quais convicções que se tornaram dúvidas e quais dúvidas que se tornaram convicções, tudo sob o amparo do julgamento da História, com suas sentenças já proferidas. Devo dizer que foi uma leitura agradável, pois os autores são ótimos como humoristas. Mas não deixei de sentir uma certa nostalgia por aquele tempo de inocência, quando certas injunções que hoje sabemos serem apenas piadas podiam ser tomadas por argumentação consistente. É de fato engraçado ver Karl Marx ser tomado por grande gênio e a ex-URSS por referência de sucesso antes da queda do muro de Berlim. Mas outras diferenças que notei entre o discurso daquela época e o discurso atual são bem significativas. Enumero algumas:

- Getúlio Vargas e Juscelino Kubitchek, hoje vacas sagradas inatacáveis para os esquerdistas, são depreciados e apresentados como servis à burguesia e ao capital estrangeiro.

- O texto ridiculariza também os intelectuais de botequim, esses que hoje são vacas sagradas, e chama-os de socialistas-porra-louca-utópicos.

- Também é criticado o uso das contribuições compulsórias dos assalariados, como FGTS e PIS/PASEP, para capitalizar bancos estatais como a Caixa Econômica e o BNDES (na época BNDE), exatamente o oposto do discurso atual em defesa do nacional-estatismo.

- Nenhuma referência ao racismo como instrumento indutor da desigualdade social no Brasil, a qual é vista como causada unicamente pela espoliação estrangeira.

- Nenhuma referência à "cultura da periferia" como resistência ao establishment.

Enfim, o edifício de ideias da época não era tão esquematizado como o que temos hoje, ou seria o caso de se dizer, não tão partidarizado. Falava-se mais de conceitos abstratos - burguesia, imperialismo, consumismo, ideologia, tudo sem dar nome aos bois. Foi esse discurso que doutrinou a juventude na época e preparou a atual hegemonia do pensamento de esquerda? Não creio. A minha impressão é que a maioria dos leitores, tal como eu, apenas se divertiu. De qualquer modo, hoje os propagadores de tais ideias estão no poder, e defrontam-se ao vivo e em tempo real com as contradições de seu discurso. Minha avaliação para os autores: como humoristas, muito bons; como analistas políticos, inocentes. Mas a inocência é o traço comum de tudo aquilo que carece de conhecimentos, até da barbárie.

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