domingo, 14 de setembro de 2014

A Cara dos Presidentes Está Mudando

Claramente, o perfil dos presidentes brasileiros está mudando. Ou ao menos o rosto deles. Nunca antes havíamos tido um presidente operário, e em 2002 Lula elegeu-se. Verdade que só trabalhou como operário uns quarenta anos atrás, mas como não assumiu nenhuma outra profissão definida depois disto, operário sendo, operário ficou. Também nunca antes havíamos tido uma presidente mulher, até que em 2010 Dilma Rousseff elegeu-se. E agora o próximo pleito será disputado por duas mulheres, sendo que a segunda também foi seringueira e analfabeta até os 16 anos - outro fato inédito.

Mudaram os presidentes ou mudaram os políticos? Mudaram os políticos ou mudou o Brasil?
Mudar tudo muda, é claro, mas certas coisas permanecem iguais, como a pouca competência e a escassa honestidade de nossa classe política. Bem, se é indiscutível que nossos presidentes agora estão ficando mais com a cara do povo, podemos concluir que a corrupção não é exclusividade das elites, como outrora foi senso comum. Mas será que no tempo em que nossos presidentes tinham cara de cavalheiros, eles eram mais honestos? Essa mudança toda, afinal de contas, está sendo para melhor ou para pior?

É um julgamento que só pode ser feito pelo senso comum, mas a impressão geral é que os políticos já foram pessoas mais distintas no passado. Alguns afirmaram isso textualmente. No distante ano de 1900 foi publicado um livro chamado Porque Me Ufano de Meu País, de autoria do dramaturgo e ensaísta Afonso Celso de Assis, o conde Afonso Celso, obra hoje citada como exemplo acabado de patriotismo desvairado e otimismo discutível. Entre vários motivos que o autor citou como sendo razão de orgulho para o brasileiro, estava o caráter dos homens públicos nacionais: "Os homens de Estado costumam deixar o poder mais pobres do que nele entraram (...) Casos de venalidade enumeram-se raríssimos, geralmente profligados (...) Quase todos os políticos brasileiros legam a miséria a suas famílias. Qual o que já se locupletasse à custa do benefício público?" Com certeza, nenhum comentarista sério acredita que os homens públicos do tempo de Afonso Celso fossem tão corretos assim. Mas uma coisa não se pode negar: se naquele ano de 1900 um escritor pôde escrever essas palavras sem temer um estrepitoso ridículo, era porque a percepção de corrupção era muito menor do que hoje.

Não é sem uma certa melancolia que constatamos isso. Se não podemos medir com rigor a probidade dos políticos de antanho, há um outro aspecto que não admite dúvidas: eles eram mais letrados. Consultando-se a biografia de personagens que habitavam o mundo da política cinquenta ou cem anos atrás, encontramos com facilidade poliglotas, autores de livros, ensaístas, poetas e romancistas. é certo que nem todos eram um Ruy Barbosa ou um José de Alencar, mas ao menos um José Sarney era lugar-comum. Sarney, inclusive, é o último exemplar desta estirpe, por certo que não é nenhum escritor de primeira linha, mas no cenário atual está a anos-luz de tantos analfabetos que pululam pelo congresso.

Afinal, se os políticos estão ficando mais com a cara do povo, isso significa que eles estão ficando mais iletrados e desonestos?

Para responder a essa pergunta, é necessário contrapor o perfil do político tradicional com o novo. O político tradicional, sem dúvida que nunca foi um exemplo de probidade administrativa, vide os Malufs, os Sarneys, os ACM, os Jader Barbalhos, os Collors e por aí afora. Mas esses indivíduos, sem exceção, vinham de famílias ricas, geralmente com várias gerações de políticos, e por mais que pusessem a mão no dinheiro público, a maior parte de seus rendimentos sempre veio de seu patrimônio pessoal. Já os novos políticos geralmente vieram de famílias pobres, e a possibilidade de ganhar dinheiro foi justamente o motivo original que os levou a tentar a carreira política. São ratos magros, em suma. Entram pobres, saem ricos. Sem patrimônio ou tradição, utilizam-se do populismo para empolgar as massas, inclusive invocando sua condição de homens do povo. Eu tenho observado um paralelo cada vez maior entre as carreiras do político, do animador de programa de auditório e do pastor de igreja vigarista: começam a vida pobres, terminam ricos e valem-se do ilusionismo para cativar seu público específico. Notei isso pela primeira vez quando estava perto de uma TV ligada mostrando o programa Sílvio Santos. Em determinado momento surgiu na tela o rosto de Dilma Rousseff fazendo um discurso enaltecendo o novo programa do governo denominado Brasil Carinhoso. Levei alguns segundos para perceber que estava vendo a imagem da presidente da república. Explico: é que a maneira como ela falava e o linguajar que ela usava se harmonizavam de tal maneira com a apresentação de um programa de auditório, que distraidamente julguei que se tratava de algum novo quadro ou concurso do Sílvio Santos.

Senor Abravanel não conseguiu ser presidente da república. Mas o Brasil vai aos poucos se transformando em um imenso auditório.

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